segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Com todo o meu amor...

Se conheceram enquanto ele só tinha o surf na cabeça. Era o que praticava quase todos os dias do verão quente da Europa. Ela vivia outro mundo, outra estação, outro cotidiano. Lutava para continuar empregada; a sua maior preocupação era se iria ter festa boa para ir aos finais de semana. Tudo andava bem do lado de cá. Acho que do lado lá também.

Ele estava empolgado com a prancha nova que comprara. Deslizava mais rápido sobre as ondas. Ela provavelmente estava se arrumando pro pagode de domingo, fazendo o "esquenta" para a exposição de Bicas, ou entrando numa carona para Carangola.
Ele ouvia Bob Marley, Incubus e Sensi. Ela não parava de escutar John Mayer, Katchfire e Exaltasamba.
Ele ficava aflito por ter que fazer a própria comida. Seu arroz nunca estava no ponto certo. A opção era spaghetti à bolonhesa quase todos os dias. Ela se preocupava por não comer alimentos saudáveis. Cadê o feijão, as verduras e os legumes? Arroz, batata frita e bife com cebolas era o mais frequente. Pensava mesmo em fazer uma vídeoaula para ensiná-lo a fazer o arroz.
Ele é poliglota. Morou em muitos países. Quer a ensinar a dançar salsa e a surfar. Ela sempre o pede ajuda com os deveres do inglês e do italiano. Quer estudar fora; Conhecer outras culturas, outros povos e principalmente, valorizar o seu currículo como jornalista.

Ela o ensinava o funk pela webcam. Ele quase tinha um infarto do outro lado.
Ele tem planos de fazer faculdade de educação física. Está juntando dinheiro para, quem sabe, começar ano que vem. Ela tem planos de fazer pós, de ter o seu próprio negócio. Não vê a hora de se formar logo.
Ele vivia férias obrigatórias. Eram festas às sextas e aos sábados sempre com David, Euclides e Rogério. E uma atriz amarrada ao seu pé. Ela estava mergulhada em trabalhos no estágio, nos cursos e na faculdade. Atolada até a cabeça. E um namoradinho que não largava do seu pé.
Ele não beijava ninguém. Ficou traumatizado depois das exs. Ela tentava curá-lo. Praticamente a sua psicóloga particular. E beijava. Beijava muito. Estava mesmo na fase "tô solteira e ninguém vai me segurar".
Ele não acreditava em Deus, nem mesmo no amor. Ela rezava todos os dias antes de dormir e pedia pelo bem dele. Vivia sonhando em um dia amar e se entregar.
Ele cantara "half of my heart" debaixo do chuveiro, enquanto John Mayer cantava pela rádio no mesmo instante. Disse que era a música deles. Depois disso ela nunca mais ouviu "haf of my heart" da mesma maneira.
Ele a fazia rir. E ria muito das piadas dela também. Um não admitia que o outro era o mais engraçado. Talvez porque estivessem em pé de igualdade e nem soubessem disso.
Ele vivia a euforia de ter arranjado outro emprego. Já estava ficando sem dinheiro. Também não podia ser por menos; Festas e mais festas regadas a Sagres e vinhos. Ela vivia os altos e baixos da profissão. Uma hora com dois estágios, outra com uma entrevista em emissora de tv, outra já apenas com um estágio e mais nenhuma outra proposta em aberto.

Ela estava na expectativa do tal presente de aniversário que ele mandara por correio. Ou melhor, tentara mandar. Ele, aliás, foi o primeiro a lhe desejar parabéns. Guardara um restinho de crédito no celular especialmente para utilizá-lo nesse dia.
Ele agora já não precisa mais fazer a própria comida. A mãe voltou a morar com ele e com o pai. Já não tem mais a liberdade dentro de casa que tinha antes. Mas continua a andar de boxers preta pelos cômodos. Ela continua dividindo apartamento com a sua amiga. Pretende melhorar a alimentação. Elas passarão a malhar e se alimentarem de comidas saudáveis. Mas só a partir da segunda-feira, ok?
Ela parou de beijar qualquer um. Bêbada, dava foras nos outros caras dizendo que gostava de outro. Esse outro tinha nome e sobrenome. Ele ficou feliz quando ela o contou que fez isso. Ela se surpreendeu com o seu próprio gesto. Ali havia a certeza de que ela mudou. Agora já tinha alguém que a segurasse. E o mais impressionante é que ela queria isso.
Ele sonha com ela na cama, no ofurô e até mesmo num almoço em família. Ela sonha com ele de boxers preta batendo à sua porta e saindo com ela para um bar. Isso é o que eles sonham dormindo. Pois acordados têm muito mais sonhos a serem tocados.
Ele prometeu deixar o cabelo crescer e a barba mal-feita, assim como ela gosta. Ela afirmou que cortaria a franja como ele a pediu.
Ela planeja passar uma semana, a última de Dezembro, com ele e com a melhor amiga, a prima. Ele faz planos. Diz que vai levá-la para comprar um daqueles casacos pesados que não se usam por aqui, no "país tropical, abençoado por Deus". Quer sair pra jantar, dormir de conchinha, levá-la à discoteca. Quer apresentar-lhe um mundo bem diferente do dela. Quem sabe ela gosta e fica.
Pra sempre.

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