quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Além dos contos de fada

Abro o livro e, logo na primeira página deixo uma dedicatória, antes que se torne de outro, e marco para sempre  - ou até que se deteriore - os meus sinceros desejos: "Espero que o nosso amor seja sempre irresistível e viciante, assim como este livro. Te amo."

Tem gente que detesta ter o livro escrito; como uma amiga minha que tive que rasgar o dia 3 de maio da minha agenda para lhe desejar um feliz aniversário e tantas outras coisas mais que ela merece. Eu não. Eu sou daquelas que adoram ganhar livros de presente e que na primeira folha conste uma dedicatória tão íntima e sentimental que só a gente entenda. E que ao ler a última linha role aquele frio na barriga de um dia a vida nos afastar.

Me sinto dentro daqueles filmes de comédia romântica, em que a principal perde o livro - último presente que o pai a deu - nas tantas mudanças que fez. E no final, o mocinho o acha com a dedicatória do pai dela em um sebo. Compra e a dá em alguma data especial, fazendo deles "felizes para sempre" (sim, isso é uma história de um filme existente. Chama-se Definitely Maybe).

Hoje está uma chuva com ventania digna de longas hollywoodianos. Dessa vez eu sou a mocinha que é encharcada andando pela calçada. Chego à estação de trem e trato logo de ver se o meu livro foi molhado também. E, exatamente como nos desastres das comédias românticas, assim que abro a bolsa, pinga uma gota d'água na dedicatória que fizeram para mim na primeira página do livro. Um desastre - para mim, dos grandes; que me deprimem o resto do dia. - Até que penso que é isso que faz daquelas palavras algo especial; é o tempo agindo sobre elas e sobre nós.


Talvez um dia também venha uma gota qualquer, intrometida, cair entre nós, e o que sentimos pode borrar um pouco, mas nunca vai se apagar por completo. Um pedaço de nós estará sempre ali, mesmo que seja apenas na forma de uma simples assinatura.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Com vocês eu aprendi...

Quando era criança descobri que pré-conceituar as pessoas é o primeiro passo para garantir a derrota no jogo


Da minha infância tenho muitas boas lembranças. Os colegas e as brincadeiras foram duas coisas que me marcaram. Até os meus 12 anos morei em um condomínio na Ilha do Governador, Rio de Janeiro. De lá guardei grandes histórias e grandes amigos.

Imagem meramente ilustrativa

Por volta dos dez anos, a turma com quem eu brincava chegou ao seu ápice de integrantes. Éramos dez ao todo. Dentre eles, um era menino, o Lucas*. Ele era gordinho, usava óculos e era bem engraçado. Os amigos dele, quando o viam jogando com a gente, logo começavam com aquelas zoeiras típicas de menino: “Ô bichinha!”, “Só sabe jogar com menina, é, viadinho?”, entre outras. Nunca lhe perguntei se isso o afetava de alguma forma. Só sei que era um dos melhores jogadores. Normalmente era quem tirava o time comigo. Provavelmente, se eu não o conhecesse e o encontrasse pela primeira vez na aula de educação física do colégio, não seria ele o primeiro a eu escolher para o meu time. O que seria um grande desfalque para a minha equipe. O peso a mais e os óculos não faziam dele pior do que ninguém. Muito pelo contrário. Era um dos mais rápidos.

Como todo grupinho de crianças. Sempre tem uns que só estão lá porque são irmãos de alguém. Com a Bia* não era diferente. A mais nova de nós brincava conosco porque a sua irmã mais velha andava com a gente. Tinha ela cinco anos enquanto a maioria tinha o dobro dela! Era sempre a “café com leite”, claro. O que surpreendeu a todos foi quando percebemos que a danada corria muito mais que a irmã quatro anos mais velha! Não sendo boba nem nada, logo tratei de colocá-la sempre na minha equipe. E aos poucos ela foi passando a fazer parte do jogo como todo mundo. Pequena, esperta e ágil. A Bia*, em pouco tempo, nos mostrou que o nosso preconceito estava totalmente equivocado. Ela era apenas a mais nova. Nem por isso a mais lenta ou a menos atenta.

O que quero dizer é que o preconceito no esporte deriva de um erro na educação de quando somos crianças. Porque é desde pequenos que pensamos que o gordinho tem sempre que ficar no gol, que a mais nova seria automaticamente incapaz de ganhar dos maiores, que menina que joga futebol é lésbica, etc. Mas nem sempre é assim! Hoje o Lucas* é magro, com o corpo definido e é hétero. Brincar com meninas não fez dele um gay. Ele, assim como a Bia*, nos provou que estávamos errados. Anos depois ela me contou que detestava quando a colocávamos de “café com leite”. Até porque qual é a graça de brincar e ser invisível à brincadeira? O Lucas* e a Bia* podem não ter tido nenhum sofrimento quanto aos nossos preconceitos de crianças, mas quantos Lucas e Bias serão necessários para entendermos que não devemos julgar ninguém pela aparência, sexo ou idade? Não os ignore. Eles podem sempre te surpreender durante um pique-pega, uma queimada, um três-cortes...

*Os nomes foram trocados para manter a discrição das pessoas